Um dos temas que me chamou a atenção no 26° Congresso Brasileiro de Odontopediatria, por fazer parte do meu dia a dia no consultório foi “Cárie Precoce da Infância: diagnóstico, prevenção e tratamento”.
Por tem um consultório totalmente voltado para prevenção e intervenções minimamente invasivas, fiz questão em assistir a palestra ministrada pelos Profs. Drs. Saul Martins Paiva, Fausto Medeiros Mendes, Jaime Aparecido Cury e Carlos Alberto Feldens.
O Prof. Dr. Saul Martins Paiva iniciou falando do “Conceito e Impacto na Qualidade de Vida”.
Segundo ele, os agravos bucais podem ter impactos negativos em crianças e familiares sobre os aspectos funcionais, sociais, psicológicos e econômicos. Por isso, é importante avaliarmos a qualidade de vida para mensurar as repercussões de doenças crônicas, devido aos indicadores clínicos terem pouco poder de associação com função e bem-estar, por indivíduos com condições semelhantes possuírem percepções muito diferentes sobre sua saúde, e por ser importante para definição de políticas públicas.
Ainda segundo Prof. Saul, sabemos hoje que o termo cárie precoce da infância é utilizado para a presença de uma ou mais superfícies cariadas (com ou sem cavidade), perdidas (devido a cárie dentária) ou restauradas em qualquer dente decíduo em uma criança com até 05 anos de idade.
Decisões Restauradoras
O Prof. Dr. Fausto Medeiros Mendes desenvolveu o tema “O diagnóstico da doença e as decisões restauradoras”.
Eu sempre falo para os meus pacientes que nem toda mancha no dente é cárie e nem toda cárie necessita de restaurações.
Em sua palestra, o professor Fausto apontou que estou no caminho certo para uma odontologia preventiva e de mínima intervenção.
De acordo com o ele, nós profissionais devemos pensar se realmente é necessário fazermos uma restauração. Muitos profissionais às vezes iniciam um ciclo restaurador desnecessário, por um diagnóstico não tão preciso.
Para um diagnóstico de maior precisão é necessário que a cavidade bucal esteja higienizada, daí a importância do profissional realizar uma profilaxia (limpeza) antes de fazer exame clínico e chegar ao diagnóstico. E quando for necessário, deve-se fazer um exame radiográfico. Além disso, ressaltou a importância da detecção de lesões iniciais, antes da cavitação, e que devemos dar atenção as lesões moderadas.
Fluoretos
O Prof. Dr. Jaime Cury mais uma vez nos lembrou da importância do uso dos fluoretos no controle da doença cárie, e que nossos conceitos determinam nossas ações. Sendo assim, é necessário um conceito correto para que um tratamento desnecessário NÃO seja realizado.
Ele ressaltou que a cárie é decorrente do acúmulo de bactérias bucais nas superfícies dentais na forma de biofilme (placa dental). O biofilme é necessário para o desenvolvimento da cárie, mas não é o suficiente. O único vilão da cárie é o açúcar da dieta.
A cárie não é o resultado da deficiência de uso de flúor, mas o flúor é o único agente que, significativamente, reduz a velocidade de progressão das lesões de cárie.
Para o controle da cárie é fundamental a escovação regular e correta dos dentes e restringir o consumo de açúcar. Se a escovação for feita com o dentifrício fluoretado, haverá um melhor controle do desenvolvimento da doença, lembrando da quantidade correta para cada idade, para evitar a fluorose.
Alimentação e Prevenção
O Prof. Carlos Alberto Feldens, terminou com chave de ouro o primeiro dia do evento desenvolvendo o tema: “Práticas Alimentares e Oportunidades de Prevenção”.
Feldens ressaltou a importância de, até os 02 anos de idade, a criança não ter contato com o açúcar.
Ele pontuou que, de acordo com pesquisas, que a cárie na infância parece estar associada ao núcleo familiar. Para que possamos ter crianças livres de cárie é necessário a conscientização dos pais em relação à alimentação e higiene. E mais, aumentar a escolaridade das mães seria fator importante para a prevenção da cárie.
Mesmo com esse resultado, infelizmente vejo em meu consultório pais de classe média e alta que ainda acham desnecessário os cuidados com a saúde bucal.
Feldens relatou a nova proposta para entender a cárie.
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A cárie pertence a um grupo de doenças não modificáveis, como câncer e diabetes.
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Não é um problema simples de apenas eliminar um tipo de microorganismo ou aumentar a resistência do dente.
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AÇÚCAR é o FATOR DE RISCO COMUM para a obesidade, diabetes, cárie e, indiretamente, pelo menos 10 tipos de câncer.
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Pesquisas relatam que o açúcar é a única causa da cárie dentária.
Mas de onde vem o açúcar que chega às crianças de 06 meses?
o
18,7% do chocolate;
o
23,6% do mel;
o
31,1% do refrigerante;
o
58,6% do Petit Suisse;
o
59,6% da gelatina;
o
60,8% do biscoito;
o
71,5% do açúcar adicionado em bebidas; e
o
81,8% do chá.
Ainda de acordo com Feldens, pesquisas relatam que o consumo de açúcar no início da vida determina maior quantidade de lesões de cárie até os 03 anos.
A relação entre frequência de alimentação e a cárie é evidente. Açúcar no inicio da vida e a alta frequência de alimentação são fatores de risco para cárie na infância. É possível retardar a introdução do açúcar e reduzir a alta frequência de alimentação. Nossa orientação deve ser intensa para que seja mais efetiva, mas mesmo assim nem todas as famílias serão beneficiadas.
Em relação ao aleitamento materno, Feldens relata que as pesquisas nos mostram que a amamentação no seio da mãe, até os 12 meses não está associada com o aumento no risco de cárie e pode, inclusive, oferecer alguma proteção em relação ao uso de fórmula.
Mas crianças com aleitamento materno após os 12 meses tiveram um aumento no risco de cárie.
Feldens ressalta que o aleitamento materno após 06 meses não pode ser cariogênico, e que mesmo após a criança completar um ano, ele não é cariogênico por si só.
Devemos orientar essas famílias com aleitamento materno frequente após os 12 meses para nunca substituir esse leite por fórmula e diminuir a frequência do leite materno.
Segundo estudo feito na São Leopoldo Mandic a orientação para uma alimentação saudável seria:
- somente leite materno até os 06 meses (sem água, chá ou qualquer outro alimento);
- alimentação complementar após 06 meses, mantendo intervalo entre as refeições (melhores refeições se associam a maiores intervalos);
- não usar mamadeira e aleitamento materno como “pacificadores”; e
- EVITAR açúcar, café, frituras, enlatados, refrigerantes, doces, balas nos primeiros 02 anos de vida.
A nossa maior dificuldade no consultório é a conscientização dos responsáveis pela criança. Segundo pesquisas, preciso orientar sete mães para prevenir um caso de cárie dentária na infância.
Mesmo com toda dificuldade, devemos continuar orientando essas famílias de forma efetiva para que a cada dia possamos ter mais cuidadores nos ajudando nessa tarefa de ter crianças livres da cárie.